sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Não é Ângela

Um café com leite. Dessa vez o dia começa assim. O café e o leite pensando que ‘viver é uma espécie de loucura que a morte faz’. Eu peguei birra dessa palavra; pensar, mas ali ela está e lá vai sucumbir-se em seu próprio significado. O café com leite acaba e o pensar insiste. Calculista e compartimentado. Se eu fosse um quadro do Modigliani não ia pensar, seria pensada, não pelo pintor, mas por quem acha que se pode pensar sobre uma pintura. Desculpe a grosseria, vou me apresentar... Não é Ângela, meu nome. Um nome arruinado assim não necessariamente remete desprazer, ao contrário, aprendi a ser bem assertiva com ele. ‘Qual seu nome? Não é Ângela. Certo, e qual seu nome? Esse mesmo!’ E por inúmeras vezes pessoas tentaram me convencer que não ser alguém é ser ninguém, por incrível que pareça estava eu ali, a frente dos que tem nome e são, vivendo uma espécie de loucura que a morte fez comigo.

Poderia eu ter renascido da morte como Ângela, mas não. Não é Ângela é uma graça de Deus, palhaçada mesmo... Todo mundo está vulnerável ao tédio, até Ele. Devo ser considerada a piada celestial mais engraçada depois de Adão e Eva, claro, além de se encaixar paradoxalmente na minha identidade. Indefinida. Não sou loira, não tenho olhos azuis, nem verdes, não tenho a pele escura, não sou baixa, não como frango, não tenho religião, não gosto de berinjela, não confio em Deus. Eu sou o desafio Dele, mas não aceitei o duelo, o deixei sozinho nessa disputa poética com a natureza. Não sou boa de briga. Ainda mais quando a piada provoca seu próprio criador.

Eu não passo de uma promessa. Poderia ter aproveitado a existência para inventar verdades e surpreender o outro, no entanto finjo dizer mentiras que surpreendem a mim mesma, meu vazio cheio de mistérios. Deus está nele. O passado das estrelas também, apenas isso contemplo dos astros, o passado, anos-luz do que realmente são. E ainda me perguntam quem sou... Hei de ler poemas, ajudam-me a sentir mais a vida. Hei de não cometer o pecado de pensar. Hei de rezar. Nada mais solitário do que conversar com Ele. Por isso inventaram a prece, pra ficarmos sozinhos. Hei de ser comum. Nada mais egocêntrico que a originalidade. Hei de ser uma pintura de Modigliani. Hei de não ser Ângela, nem ninguém.

Carol Rodrigues [ou seria Carolina?]
Inspirado n'Um sopro de vida de Clarice.

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