“DIANTE daqueles que ficaram deste lado, um HOMEM ergueu-se EXATAMENTE igual a cada um deles e no entanto (em virtude de alguma operação misteriosa e admirável) infinitamente DISTANTE, terrivelmente ESTRANHO, como que habitado pela morte, afastado por uma BARREIRA que por ser invisível não parecia menos apavorante e inconcebível, cujo sentido verdadeiro e a HONRA só nos podem ser revelados em SONHO.” Tadeusz Kantor, O teatro da morte, Folhetim, Teatro do Pequeno Gesto, Rio de Janeiro, 1998
Eu ainda estou a me perguntar por quais motivos exatamente optei por
citar esse específico trecho de ‘O Teatro da morte’, provavelmente seja pelo
fato de me fazer sentir. Não sei exatamente o quê. Simplesmente sentir, afinal
ter sentido não necessariamente imprime uma lógica, um fim. Um sentido se faz
na passagem, no caminho, no momento em que passo meus olhos pelas letras
formando frases e ali mesmo por um segundo que seja eu consigo ler o que há
entre as palavras, eu consigo enxergar o silêncio do autor que me atravessa,
ouvir sua respiração despertar a minha inspiração e assim me tocar com algo
infinitamente estranho, porém estranhamente interessante.
Talvez tenham percebido meu sentido como uma completa falta de sentido,
mas todo momento de ‘falta de sentido’ é exatamente a assustadora
certeza de que ali há o sentido [1]. Por isso peço; Sintam. Deixem passar. O
que vou contar aqui é um despretensioso relato da experiência sensorial,
artística e humana do ator que cria, propõe e entende que seu papel vai além
das estabelecidas “tarefas” de interpretar e representar, além da construção de
personagem; o ator que leva e coloca os signos em movimento [2].
Uma vez questionada sobre a busca da verdade Marina Silva [3] disse
que muitas vezes somos tomados, ensurdecidos pelo barulho das nossas certezas.
Experimentar nesses dois últimos semestres o processo colaborativo de criação
cênica entre cursos da SP Escola de teatro foi essencialmente instigante para silenciar o
barulho das minhas certezas, e por consequência escutar o outro, o diferente, alimentando,
deste modo, os meus questionamentos quanto ao papel do ator no processo de
criação teatral.
[...]
Diria que em face desse laboratório de experimentação proposto pela
atuação me transformei em sujeito da experiência, aquele que se expõe
atravessando um espaço indeterminado e perigoso, pondo-se nele à prova e
buscando nele sua oportunidade, sua ocasião [4]; colocando-me
interessada na construção artística e expressiva, porém arenosa e arriscada, da
cena teatral.
A disponibilidade no trabalho do ator resignifica seu próprio trabalho,
só posso compreender o que me acontece se der abertura suficiente para que
aquilo me toque, e esse espaço de expressão, de proposta do ator promove
um espaço de liberdade onde não há certo ou errado, uma vez que potencializa o
posicionamento do ator frente às questões da obra [5].
[...]
Coube a mim revivenciar e repassar esses momentos em que presenciei, na
minha observação, o trabalho do ator como uma realidade sensível, como se os limites
do papel do ator se reestabelecessem a ponto de não terem mais fronteiras
delimitadas e claras entre o ator que representa/interpreta e o ator que cria.
Parece-me, nessa observação, que o espírito de comunhão da arte se faz presente
quando penso na possibilidade de um ator vivo, manifestado não apenas em seu
papel como instrumento mediador de representação e sim alguém que busca sua
afirmação no processo criativo, propondo ações, improvisações, experiências; e
acima de tudo reinventando-se como artista. Reinventando-se quanto Ser.
Posso dizer que reconheci e redescobri a mim mesma, nada que me
libertasse da insegurança e da crise permanente do ator, pelo contrário o
terreno ficava ainda mais arenoso, mais instável, mas só assim pude chacoalhar
minhas convicções e enxergar que a única condição para lutar pelo
direito de criar é a fé na própria vocação, a presteza em servir e a recusa às
concessões. A criação artística exige do artista que ele "pereça por
inteiro", no sentido pleno e trágico destas palavras [6].
Arrisco pensar numa lei natural do ator, como a grande Lei do coração de
Artaud, uma Lei que não seja uma lei, uma prisão, mas um guia para o
Espírito perdido no seu próprio labirinto [7], labirinto
metafísico composto por nossas dúvidas, inseguranças, sonhos, mas pensar isso
provavelmente me condicione a buscar uma compreensão inatingível do trabalho do
ator que é vivo, por excelência, regido por uma força mutável, em constante
movimento, que me tira da inércia humana e me faz ser menos gente, menos Eu.
Já no fim deste relato posso somente fazer referência e reverência às
palavras que devidamente suprem as minhas; “talvez o que me tenha acontecido
seja uma compreensão – e que, para eu ser verdadeira, tenho que continuar a não
estar à altura dela, tenho que continuar a não entendê-la. Toda compreensão
súbita é finalmente a revelação de uma aguda incompreensão. Todo momento de
achar é um perder-se em si próprio. Qualquer entender meu nunca estará à altura
dessa compreensão, pois viver é somente a altura que posso chegar.”[8]
[Carol Carolina]
Em construção.
[1]Clarice Lispector.
A Paixão Segundo G.H. Editora Rocco Ltda. Rio de Janeiro, 2009. P.34
[2] Antonio
Guedes. O ator contemporâneo: enfim, um artista? A[l]berto, Revista da SP
Escola de teatro. #1, p.19. 2011
[3] Maria
Osmarina Marina Silva Vaz de Lima é ambientalista, historiadora, pedagoga e
política brasileira. [www.eumaior.com.br]
[4] Jorge
Larrosa Bondía. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista
Brasileira de Educação, #19, p. 25. 2002.
[5] Miriam
Rinaldi. O que o ator-criador tem construído para si? A[l]berto Revista da SP
Escola de Teatro. #1, p. 26. 2011.
[6] Andrei
Tarkovski. Esculpir o tempo. Martins Fontes. P. 42. 1998
[7] Antonin
Artaud. Carta aos reitores das universidades europeias.
[8] Clarice
Lispector. A Paixão Segundo G.H. Editora Rocco Ltda. Rio de Janeiro, 2009. P.14
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