terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Do amor

Eu tive um sonho, um sonho de outra vida em que nos amamos separados. Separados por uma imensa redoma transparente, através de um vidro translúcido nos olhávamos, sem toque, som, cheiro, nem calor; e nos amávamos. Eu lia seus impossíveis lábios dizerem platonices e minha alma se confundia com a sua distante. Áspero amor, dali eu nunca sairia e alimentaria minha raiz pela fotossíntese da luz dos seus olhos, mas tomado por um fogo precipitado você disse conhecer os passos que me levariam ao seu encontro. Caminho só se faz caminhando e então fui. Estranhamente eu fui e você não.

No sonho reencontrei você anos depois. Cansados nos olhamos como nunca e sempre. Naquela mesma fronteira transparente, no limite de nós dois, seu olhar esquecido fez o meu chorar. Nosso amor era apenas um grito ensurdecido pelo tempo. Uma vida inteira passei a buscar seus passos sem ao menos dar-me conta do peso invisível desse amor saturado em meu corpo, e ao nos aproximarmos eu, sorrindo largo da eterna e repetida ironia de nossa existência, lhe disse:

“Não nos falta tempo. Espero você numa próxima vida”.

Encantada com a possibilidade de um sentimento imortal, consolada pelo meu imperecível coração, um velho e sábio silêncio tempesteou a lei natural do amor. Mergulhada nos olhos lacrimejados de pausa não pude ler seus lábios timidamente se mexendo através do vidro como se pudessem me machucar se realmente os decifrasse.

[Carol Carolina]

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