Eu tive um sonho, um sonho de outra
vida em que nos amamos separados. Separados por uma imensa redoma transparente,
através de um vidro translúcido nos olhávamos, sem toque, som, cheiro, nem
calor; e nos amávamos. Eu lia seus impossíveis lábios dizerem platonices e minha
alma se confundia com a sua distante. Áspero amor, dali eu nunca sairia e
alimentaria minha raiz pela fotossíntese da luz dos seus olhos, mas tomado por
um fogo precipitado você disse conhecer os passos que me levariam ao seu encontro.
Caminho só se faz caminhando e então fui. Estranhamente eu fui e você não.
No sonho reencontrei você anos
depois. Cansados nos olhamos como nunca e sempre. Naquela mesma fronteira
transparente, no limite de nós dois, seu olhar esquecido fez o meu chorar. Nosso
amor era apenas um grito ensurdecido pelo tempo. Uma vida inteira passei a buscar seus passos sem ao menos dar-me conta do peso invisível desse amor saturado em meu corpo, e
ao nos aproximarmos eu, sorrindo largo da eterna e repetida ironia de nossa existência, lhe disse:
“Não nos falta tempo. Espero você numa próxima vida”.
Encantada com a possibilidade de
um sentimento imortal, consolada pelo meu imperecível coração, um velho e sábio
silêncio tempesteou a lei natural do amor. Mergulhada nos olhos lacrimejados de pausa não pude ler seus lábios timidamente se mexendo através do
vidro como se pudessem me machucar se realmente os decifrasse.
[Carol Carolina]
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